A responsabilidade da OLX pela fraude nos anúncios de terceiros à luz do Marco Civil da Internet.

Não são poucas as reclamações de consumidores que sofreram algum tipo de fraude após adquirirem produtos por meio de sites de serviços de buscas de mercadorias à venda, como OLX, Mercado Livre, Shopping uol etc. Saiba como fica a questão da responsabilidade à luz da nossa legislação.

DIREITO DO CONSUMIDOR

Raisa Matos Teixeira de Castro

9/24/20200 min read

Fraude em anúncios digitais pode chegar a US$ 50 bilhões em 2025, esse é o título de um matéria publicada pelo, a qual alerta que as fraudes utilizando anúncios falsos tem aumentado assustadoramente, tornando-se, inclusive, segundo Stephan Loerke, diretor executivo da WFA - Federação Mundial de Anunciantes, um problema endémico.

Não são poucas as reclamações de consumidores que sofreram algum tipo de fraude após adquirirem produtos por meio de sites de serviços de buscas de mercadorias à venda, como OLX, Mercado Livre, Shoppinguol etc.

Se você acha que estes sites sempre respondem pelo insucesso das compras on-line, você está enganado!

O que se vê, é muita gente discutindo a responsabilidade desse tipo de site à luz da responsabilização objetiva estabelecida pelo artigo 18 do CDC e pela teoria do risco do empreendimento, sem prestar atenção às nuances do caso. A resolução do problema, não passa por aí.

Para melhor elucidar a questão e demonstrar os equívocos cometidos, divido o artigo em quatro partes:

A responsabilidade solidária e a teoria do risco do empreendimento.

Mera aproximadora x parte na relação de consumo.

O que diz o Marco Civil da internet e o entendimento jurisprudencial?

Conclusão.

A responsabilidade solidária e a teoria do risco do empreendimento.

O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade solidária de todos os envolvidos na relação de consumo, ou seja, vendedores, fabricantes e importadores são igualmente responsáveis por eventuais falhas na prestação dos serviços, mesmo que não tenham dado causa diretamente ao problema.

Esse meio de responsabilização foi criado, justamente, para proteger o consumidor, que por ora se via envolto em um jogo de empurra, onde uma empresa transmitia a responsabilidade para outra e vice e versa, e o consumidor não conseguia, efetivamente, achar o culpado para o seu problema, torando a reparação bastante dificultosa.

Já, segundo a teoria do risco do empreendimento, todo aquele que dispuser de um produto ou serviço no mercado de consumo, assume os riscos por eventuais problemas ocasionado.

Em uma análise superficial da questão, poder-se-ia entender que, se o site de venda colocou à disposição no mercado o serviço de classificado de anúncios, e é remunerado de alguma forma por esta atividade, ainda que indiretamente, teria que, juntamente com quem publicou o anúncio, arcar com o ônus da fraude.

No entanto, queridos(as) leitores, a questão não é tão simples assim. Precisamos fazer uma análise mais aprofundada, analisando se o site de vendas, seja a OLX ou não, agiu com mera aproximadora ou faz parte, de fato, da relação de consumo, sendo enquadrada como fornecedora e responsabilizada de acordo com o art. 18 do CDC e a teoria do risco do empreendimento.

Mera aproximadora x parte na relação de consumo.

Dispõe o art. 3º do CDC:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O cerne da questão é determinar se a OLX ou o site de serviços de buscas de mercadorias à venda se enquadra na definição de fornecedor do art. 3º supracitado. Entendendo pelo enquadramento, a questão da responsabilização se torna mais fácil, sendo resolvida conforme explanado acima, por meio da aplicação do Código De Defesa Do Consumidor. Desta forma, no caso de fraude em algum anúncio, o site teria que arcar com os prejuízos sofridos pelo consumidor.

De acordo com a jurisprudência pátria, para definir se o site seria ou não enquadrado como fornecedor, devemos analisar sua atuação no mercado.

Se o site, além de apresentar o anúncio ao consumidor, intermedia a realização do negócio, recebendo, inclusive, porcentagem pela efetivação da venda, como ocorre com o Mercado Livre, este seria enquadrado nas normas do art. 3.º, § 2.º, do CDC, sendo submetido e responsabilizado de acordo com o Código consumerista.

No entanto, se este site age como mero aproximador, APENAS apresentando o anúncio ao consumidor, ainda que receba pela veiculação do referido anúncio, ele não pode ser responsabilizado, pois não se enquadra na definição de fornecedor.

Ainda não está convencido?! Veja o que determina o Marco Civil Da Internet - lei de 2014 - e a nossa jurisprudência.

O que diz o Marco Civil da internet e o entendimento jurisprudencial?

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Assim segue o entendimento do STJ. Sites de serviços de buscas de mercadorias à venda, nem sempre respondem pela fraude perpetrada por terceiros, veja:

REsp 1444008/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 09/11/2016

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA VOLTADA AO COMÉRCIO ELETRÔNICO. INTERMEDIAÇÃO. AUSÊNCIA. FORNECEDOR. NÃO CONFIGURADO. 1. Ação ajuizada em 17/09/2007. Recurso especial interposto em 28/10/2013 e distribuído a este Gabinete em 26/08/2016. 2. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 3. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo. 4. Existência de múltiplas formas de atuação no comércio eletrônico. 5. O provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual. 6. Recurso especial provido.

STJ - EDcl no REsp: 1599460 RS 2014/0297672-8, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: DJ 26/04/2018)

(...) Ocorre que, a respeito dos danos materiais, faltou ressaltar que a jurisprudência do STJ tem entendido que "o provedor do serviço de busca de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede."

No mesmo sentido, em processo de número 0001009-91.2016.8.05.0043, onde a OLX figurou como réu, a terceira Turma Recursal do Tribunal de Justiça da Bahia entendeu o seguinte:

(...) a atividade da Recorrida é de mero classificado virtual, porquanto não interfere nem intermedeia a compra e venda entre usuário-vendedor e usuário-comprador. O site nem mesmo possui um botão de compra, que é realizada diretamente entre os usuários: o vendedor expõe o seu produto e seu contato para que eventual interessado possa contata-lo, dando início à negociação. Deste modo, cabe às partes, sem qualquer ingerência da ré, definir como se dará o pagamento, como será entregue a mercadoria, etc. (grifos nossos)

Conclusão.

Como mencionado, em uma análise superficial, poderia entender que a OLX teria que ser responsabilizada por fraude em algum de seus anúncios, já que:

Colocou no mercado de consumo um serviço.

Recebe remuneração pelo serviço de anúncios, ainda que indiretamente (há categorias de anúncios pagas no site).

Causou dano ao consumidor.

No entanto, como vimos, a tendência é de NÃO reconhecer a OLX como fornecedora nos parâmetros do CDC e, sim, enquadrá-lo como mero aproximador, pelo motivo de que não estes intermediam a negociação ou participam de qualquer uma das etapas das tratativas entre o consumidor e o anunciante.

Não é demais pensar antes, ou até tomar alguns cuidados extras na aquisição de algum produto/serviço disposto em sites de serviços de buscas de mercadorias à venda, já que em caso de fraude, o consumidor pode ficar à ver navios.